Andre Dahmer

sábado, 10 de dezembro de 2011

Imprensando as impressões


           Ainda que suba em montanhas para o olhar alcançar tudo, fico à distância e, este olhar guarda muito para si, pois, até descer para contar o que vi daqui de cima, muitas coisas se perderam. Mesmo que tente contar como é a visão deste lugar, a força dos sentidos pouco vibrará na descrição dos significados.
            Lembro-me algo do mito de Sísifo, este que tinha “o desprezo pelos deuses, o ódio à Morte e a paixão pela vida lhe valendo o suplício indescritível em que todo o ser se ocupa em não completar nada”. Seria como subir com a pedra e vê-la depois rolar abaixo, uma analogia ao infinito de uma tarefa que, claro, é diferente para cada momento.
            O mito não é o negativismo de um momento vivenciado agora, podendo relacioná-lo de uma maneira interessante como nossa relação ética com a vida. Há tantas pessoas levando suas pedras montanha acima, como também outras rolando abaixo, sem querer dicotomizar, qual momento parece mais interessante. Não tem nada haver com bem ou mal, céu e inferno, mas, sim, a maneira como é a experiência desse momento para cada pessoa. Há um sentido que lhe toca diferente.
            Me questiono tal narrativa acima, que quero eu dizer com essa colocação, parecendo ela ser tão dura? Talvez essa relação de bem e mal, céu e inferno, acima e embaixo, me incomode. Quero crescer nos limites da dança circular, nessa ciranda da vida que movimenta todos de alguma forma.
            Fico pensando: quem não foi num momento da vida, ora uma represa, ora um alagado. Eu quero o fluxo. Sim, aprendi a crescer, só que para os lados, em busca de um horizonte. Cada cena, cada som, cada passo, alcança um só momento que se junta a tantos outros. Ele vai até certo ponto, dali em diante segue outro. Uns se juntam num entrelaçamento, em que alguns são semelhantes, outros tão diferentes.
            Há tempos deixei de ser caçador de mim e agora procuro jeitos, vou de encontro com esse outro do mito de Demiurgo.
            O texto foi um pouco digressivo, entretanto, o sentido fora assentado num som de pé que toca a terra, como também toca a vida.
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                                                    Arte visual: Eloenes L. Silva

domingo, 14 de agosto de 2011

Oração de aniversário pelos 63 anos de Santa Gertrudes

"Tudo que existe, resiste"
(Primo Levi) 

Ah Santa Gertrudes, 63 anos que resistem ao tempo, mas não deixa de transparecer seu desgaste. Saudosismos quase estão em extinção. É como o arrancar de raízes do solo que agora estão plantadas em meio ao concreto. Tudo é festa. Festeja-se a migração sem condição. Entorpece para trabalhar e trabalha-se para entorpecer. A felicidade se resume a um carnê de prestações infinitas. Dura pouco, mas termina um contrato e já começa outro. Tudo é festa. Afinal, o entretenimento tem sua função. Santa prostituta. Saciam seus desejos e a deixam no relento. Gozo perverso. Só querem tirar proveito. Usam e abusam . Frustrantes da ilusão. Recalcados pelos patriarcas. Cabe fazer uma parada para ela respirar. Ham. Ham. Falta-lhe o ar. Procura-se oxigênio. Pronto, colocado o aparelho. Veja seu pé como está vermelho. Estou aqui lembrando. "Viu o quintal da infância cimentado. Sem terra e sem memória"*. Progresso não combina com concreto. Vejo prédios e mais prédios. Que tédio. A cultura se encontra só. Só não é cultura. Valei-me Santa educação. Olhe, ela quer dançar. Mesmo depois de tanta usurpação, ela quer dançar. Que vitalidade. Até quando terás matéria viscosa, Santa? Tua chaminé agora é outra. Onde há fumaça há.. partículas no ar. Que tua erosão um dia possa se recuperar. Que teu bosque tenha vida. Santa música. Santa saúde. Santa arte política. Rogue por nós. Que as Vozes do alto-falante deixem surdos os atrozes. Evoé. Axé. Shalon. Amém.




* Jaime Leitão Histórias Concisas. Microcontos, 2007.

domingo, 29 de maio de 2011

sensibilidade anacrônica

Ah, saudades daquela veste tradicional
Uma sobrecasaca e cartola a lampejar
Que injusto o contemplar da mordacidade!
Há quem sinta a sensação deste trajar
Reminiscências vertiginosas de tempos colossais

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domingo, 22 de maio de 2011

Luta Antimanicomial: um estado de variação


Desde os anos 1980 ecoa vozes de uma luta antimanicomial que foi e ainda é mal entendida, pois, à medida que encontramos com ela nas atividades profissionais, vamos aprendendo a reinventá-la. Desde Pinel arrastam-se as formas de saber, poder e fazer um movimento entre o normal e o patológico, que imperam e deixa um fenômeno quase a margem da sociedade. Quero deixar claro aqui, que todos os campos de conhecimento e prática dos profissionais que atuam no cuidado e na saúde, deixam marcas da atomização no seu itinerário sem perceber algo interessante que escapa. As formas de contenções foram mudando, na formas e nas explicações, digo isso porque permanece uma mesma forma repressora e desumana (amarrar, medicar, deixar quase isolada num leito) no cuidado em saúde, com justificativas diferentes que acabam se conformando.
            O serviço muda, mas a cultura prevalece, por talvez não dar conta e no amedrontar-se diante do não entendimento, perde-se outras formas possíveis, essas por vezes estão além de algo institucionalizado. Já estou pensando aqui algo além dos serviços colocados hoje como substitutivo, pois, um tipo de serviço não é uma ilha que têm de dar conta por si só de algo que envolve toda a sociedade. Digo isso porque o cuidado, ou diria, o encontro com algo que lhe é estranho ou não aceito, escapa em vários lugares. Por exemplo, uma criança que se comporta dançando, fazendo careta, revidando, expressando de modo quase autônomo frente à um profissional da escola, será enquadrada em comportamentos inadequados e remetida à uma visita psiquiátrica. Pronto, a receita para a razão será dada e logo a infância estará fadada à um controle de sua subjetividade a fim de se adequar aos demais adultos “super-razão”.
            Aqui caberia dialogar com o mito de Demiurgo que resolveu fazer o mundo, usou dois ingredientes que já existiam e os misturou. E quais são eles? O Mesmo e o Outro. Depois quem quiser pode tentar essa fórmula em casa. Um pouco de Mesmo, um pouco de Outro. Mas ocorreu um acidente. Quando o mundo parecia ter adquirido alguma estabilidade, o Outro escapuliu. Porque é da natureza do Outro tornar tudo aquilo que é de um certo jeito de outro jeito. Ele é um capeta indomável, é um pequeno demônio. E o Demiurgo sentiu muita dificuldade para conter o Outro, para acuar o Outro, a fim de conseguir que o mundo tivesse um mínimo de ordenação*.
            A cultura prevalece e as pessoas pouco a reconhecem quando remetidas à prática em saúde. A  história parece ser fogão à lenha, permanece durante um tempo aceso, a comida fica pronta, comemos, e logo o fogo fica ali até que as cinzas se apaguem, salvo num dia frio que o utilizamos para esquentar nossas mãos. Isso também já ficou na história, hoje o fogo é perpetuado pelo gás, invisível e pouco convidativo para sobre ele esfregar e esquentar nossas mãos.
            Essa cultura tem dificuldade em lidar com algo desconhecido, é preciso dar nomes, classificações, para não ter insegurança. O desafio está na relação com o outro, tentar entender seus desejos, por mais estranhos que estes possam (a)parecer. Uma cultura do cuidado é política, indo ao encontro, não permanecendo estática na sua forma. É preciso criar, envolver territórios a fim de potencializar essa criação. Reinventar o cotiando a cada enunciação de vida.


* PELBART, P. P. Um convite à cultura: nem o império da ordem, nem a inércia do caos. In: Caderno Saúde Mental (ORG.) Ana Maria Lobosque. Encontro Nacional de Saúde Mental, Belo Horizonte – MG, 2007, v. 1, p. 11 – 20.

sábado, 9 de abril de 2011

Juventude: o futuro que não encontra seu presente


           Quem nunca ouviu quando jovem, ou até mesmo praguejou essa fala quando adulto, de que a juventude é “o futuro da humanidade”. Expressão que atravessou décadas e encontra dificuldade para ganhar sentido no século XXI. Isso pelo fato do “tudo ao mesmo tempo agora” empregado na forma como estamos conectados. Não estou dizendo que a velocidade de interagir em redes sociais seja desinteressante, entretanto, entender como se dá essa relação e o que se pretende com ela são bem-vindas para a autonomia.
            Lembro-me quando no auge da juventude, metido em grupos de jovens, na diversidade de pensamentos, expressões, idéias bombavam com intensidade na busca de mudar a realidade.  Ainda vibram em mim.
            Ocorria uma participação cercada ora ou outra, de idéias implantadas por adultos “autoridade”, assim, estando na ânsia de engatar a movimentação íamos experimentando e projetando esse algo que não era “tão nosso”. Os adultos “autoridade” sacam da nossa energia e tentam o tempo todo canalizá-las para algum fim, nem sempre interessante diante da diversidade reunida. Há sempre um manual técnico, pouco aberto ou falsamente aberto. Isso limita, racionaliza por demais as ações. Interessante seria deixar-nos um diário (com impressões, relatos da forma externa, percepção e sensação interpretadas) e uma bússola analógica, estando nesse diário as impressões de quem já esteve lá, mais que não indica qual caminho percorrer. Desse modo,  compete a juventude trilhar por conta de sua sensibilidade e percepção, porque o diário limita essa relação ao dizer o que tinha neste lugar e como é, assim a imaginação ganha sentido, logo, diferente sentido quando começamos a ter nossas próprias impressões.
            A vida fica mais presente, as pessoas também. Mais é claro que não se trata de parar no tempo, memória, tudo está se movimentando quando se trata de relações culturais. E que fique claro que este texto fala de potencial da juventude sim. Enganam-se quem pensou que iria abaixar a moral da juventude contemporânea neste texto, ela está engajada, mais por outros meios. Lembre-se da bússola e do diário (quando há neh!) deixados para ela, cabendo ela – juventude – sentir a necessidade deles. Essas ferramentas são impressões de vida, experiências singulares, que não cabem como modelos, padrões universais, para a juventude. Este caminho, que pode ser por terra, mar, ou ar, vai ser trilhado por essa trupe – juventude - que busca sentido em meio a tanta cobrança e frustrações da sociedade que muito a fazem gozar precocemente. Como disse anteriormente, o adulto “autoridade’ (mídia, família, religião, escola, etc.) força a juventude à ocupar um lugar que nem sempre é o melhor, um lugar que não deixa espaço para a experiência, para a autonomia, para a vida que lhe é de direito. Para quem pensou algo moral nessas idéias anteriores, reflitam se não estão sendo adultos “autoridade”, pois o que se trata aqui é ir além de uma tradição que deseja fincar lugar em território alheio.
           A juventude quer viver, não como eu e você quer. Ela tem seu desejo, angústia, alegria, deixemos espaço para que sintam e experienciem a desarmonia e harmonia se movimentando, vibrando em seu corpo. Podemos conhecer esse movimento, por um contato humano e que também teve seu amadurecimento. Não sejamos exploradores e catequizador dessa dança circular da juventude. Deixemo-la abrir esse presente que é a vida. Venha juventude, abra o seu presente!

domingo, 6 de março de 2011

Detalhes de Continuidade



Por favor, o assistente gostaria de fazer uma observação. Há detalhes que surpreende a continuidade de cada plano.
É interessante ver cada pessoa da equipe revelar-se como mágico, tiram cenários da imaginação e eis em alguns minutos um lugar desconhecido, nunca habitado. Até os moradores Sr. Miguel e Sr. Mário, da família Neves, ficam surpreendidos com tamanha produção e ocupação. Sabe, a sensação que me tomava em alguns momentos, era de que estávamos numa casa de nossos avós passando uns dias de férias. Naquela varanda tão grande, tão aconchegante, mais que não chegava perto do coração e da simplicidade contida pela família que nos acolhia. O contato era farto. No decorrer das filmagens, entre um plano e outro, ocorria outros planos ali sentados com Sr. Mário e Senhor Neves.

Já ouvi muito sobre humanizar um espaço, mais ser humanizado por ele é uma dádiva de experiências que pode acontecer e passar sem perceber. Enquanto, o som da ação é proclamado, leva com ele toda graciosidade e acolhida que a família Neves ofereceu à nós. A casa revelava interferências no som, em alguns casos os carros, em outros a encenação da vida num canto do pássaro, que sabe o momento certo de entoar sua música ao comando da ação, deixando a sensação semelhante a uma coincidência. A natureza vinha ao encontro de nossos planos, revelando sua sigilosa e extrovertida participação. Thiago não imaginava tamanha sonoplastia natural captada num só lugar.

A potência do encontro entre a equipe era tremenda, como imaginar realizar uma tarefa e vir a ser um grupo operativo, pensando improvisos para cenas alcançarem a mais alta proximidade da imaginação. Grupos também provocam frustrações e emoções, como o rompante de membros da equipe com o ator que carrega consigo a missão de fazer um papel tão duro. Nesse momento senti como “o cinema imita a vida” (texto de Claúdia do Canto). A concentração torna-se algo difícil quando uma piada surge por um ator aguardando sua próxima cena.

A comida preparada por Diva trazia na etimologia da palavra o significado de inspiração para continuar sustentando a peleja do trabalho. Pratos saborosos com gosto de carinho e vitaminas de energia para continuar firme na lida.

O mágico, geralmente, faz a mágica e depois mostra seu método. A Cláudia mostrou seu método antes da magia na direção de arte usando uma artesanal paleta de cores. Ficava um mistério no set, logo após o cenário ser montado, eis que sai da cartola uma linda fotografia.

Tobias deixava de tomar café com leite para deixar primeiro os companheiros de equipe satisfazerem-se. Fico em dúvida, pois acho mesmo, que ele se alimentava de cada cena realizada, e uma a uma não o saciava. Não havia limites para sua concretização de planos, câmeras de joelho, elevada ao alto e trilho sobre rodas.

Olha, a produção conseguiu fazer e desfazer planos sem que locações e figurantes se aborrecessem conosco. Sem dar-mos conta, ela fortalecia os laços no contato com cada pessoa da locação. Quando chegávamos era somente se preocupar com as tomadas, o que era difícil, pois, cada lugar era peculiar e chamava nossa atenção. Ficando difícil se concentrar na ação.

A Rosa e Boneco formam os pares do mundo ou até mesmo sua ambigüidade, fineza e dureza, alegria e tristeza, rancor e humor, são umas das coisas que um sentimento pode compor.
(Impressões durante o processo de gravação do filme A Rosa e o Boneco)

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Desejo de Forjar Asas


Voar livre nos pensamentos e ações sem ser cercado por qualquer atitude prisional

Experimentar a vida e criar realidades na terra em que muito fora criado pelas mãos entornadas em cada pedaço de argila

Despir toda verdade lançada de forma polida e pronta para mim,

Quero dar eu mesmo a forma e expor a sociedade e cada “bom mocismo” investido de intenções deletérias

Trovejar sobre palavras carismáticas que se destinam injetar anestésicos sobre uma dor necessária

Cercar os espaços vazios por caravanas circenses e num coro rir de toda ignorância, ganância e crueldade

O palhaço será o maestro da crítica, pois detém a forma de tocar a sensibilidade humana

Autorizar os rituais e danças, somente àqueles circulares, parecidos ao de Palmares e dos indígenas que grita e vibra a força de um povo reunido

Filmar criando uma realidade, que será projetada a cada momento que uma ideologia for instalada e unificada

Assim garantiremos nossa salvação contra qualquer prisão

Só poderá ser prefeito, vereador ou coisa do tipo, aquela pessoa que conseguir correr nu pela rua sem ser repreendido ou moralizado por alguém

Assim, terão certeza de que a sociedade está preparada para a política

Mais uma coisa que há de fazerem: criar um discurso contra eles mesmo e 70 regras fundamentais do que não devem fazer no exercer do poder

Para os eleitores será exigido participar de comícios, em que será feito um exercício poético e estudo da literatura brasileira

Experimentar a antropofagia de Oswald de Andrade, Mario de Andrade até os mais contemporâneos

Por meio dessas formas cada pessoa poderá encarar no espelho um povo brasileiro nu, investido e vestido pela história primitiva, explorada e influenciada

Mais que soube criar, improvisar e alegrar sua realidade