Andre Dahmer

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O Mar, Maracatu e o brincar: a gente sente


A gente aprende, em cada cena num cenário dessa terra, desse mar.
Vou tentar contar uma experiência a partir de dois momentos, não exatamente separados.
Primeiro: uma criança em desenvolvimento, curtindo seus primeiros contatos, seus primeiros afetos.
Segundo: o arrastão de maracatu vibrando em meu corpo, tocando cada sentido da estrutura humana.

Dar os primeiros passos. Ser acompanhado diante de tanta peleja, em meio a estados críticos que assola uma cidade, um estado, um país. Digo isso porque enquanto a criança cava um buraco ou faz bolinhos com areia, algum esperto ao contrário joga sua garrafa de vodka no mar. E depois somos responsáveis por aquilo que cativamos. Mas nada de pesar aqui nesse conto, nada de correntes críticas diante de uma elucidação de algo aqui narrado. (quero deixar claro que não sou contra correntes críticas, são necessárias para você desalienar, mas depois você tem que fazer uma dança circular, sugiro um maracatu, para que possa desatar dos enroscos das teorias, desatar os nós). Os conceitos são válidos pelo tempo que eles duram, nada de ressuscitar bobagens, larga a mão de ficar patinando na esteira da vida, vai dar uma pedalada ou caminhada.

Voltando ao assunto, melhor é a criança me dar a mão porque esse adulto fica sempre balançando. É tão bonito ver um investimento de bons encontros numa relação familiar, digo familiar me referindo toda relação entre as pessoas para compor e não aquela relação que decompõe. A criança experimenta os espaços, toca os objetos, cria sentido para si e acolhe muito bem os pais numa relação de afeto. A maneira como os pais se relacionam com a criança parece jogá-la num mundo de significados, abrindo possibilidades e oferecendo banquetes que vão engordar a imaginação. A leveza proporcionada para a atuação da criança numa cena da vida fará todo sentido para ela estabelecer relações que vibrará no outro de maneira inimaginável. Lembrei de uma cena, em que eu parecia um bobo medroso, quando a criança foi descer sozinha uma escadaria da pinacoteca Benedito Calixto, aquele tapete vermelho sustentava os pequenos pés que há pouco tempo começara a dar os primeiros passos. Me senti um covarde por ter certa vontade de intervir numa ação de experimentação que era dela, da criança. Foi um medo numa relação de alteridade, uma insegurança frente à ação autônoma do outro. A mãe realmente tem seu sentido fantástico ao permitir a criança descer com seus próprios passos, segurando o corrimão ornamentado, em que podia se segurar nas suas pontas finais do desenho. A mãe ocupava – ela mesma disse – um lugar que olhava por diferentes ângulos, um lugar desconhecido, enquanto mirava pela lente de sua câmera fotográfica. Eu também, nessa cena com a mãe e a criança, estava a ocupar um lugar desconhecido, experimentando uma curiosa sensação. Foi interessante, me fez refletir como a vida às vezes realmente escapa. Foram bons encontros.
Desde pequena a criança começa a entender o valor do coletivo, dar “tchauzinho” acenando para outra criança a fim de fazer nova amizade, de brincar juntos. Essa cena ocorreu no SESC num parque montado para as crianças brincarem de pular pneus, rodar um aro de bicicleta por um pedal para ouvir música vindo de dentro de um guarda-chuva colorido. Havia também um pequeno lago e ao redor muitas pedras para serem arremessadas na água, digo, para serem pisadas, pois, não era permitido jogar pedra no “laguinho”, que besteira. É tão bacana lançar pedras no lago. Enfim, esse lago era autorizado brincar de navegação com barquinhos de madeira puxados por um barbante.

Outro momento que me levou á uma sensação de convulsão nos sentidos do meu corpo foi o maracatu do grupo Quiloa. Aquele ritmo testava todo meu organismo, senti que estava vivo. O tom da anatomia é dado a cada som de instrumentos em composição, em cada compasso da baqueta enche de ar os pulmões sustentando o ritmo do coração. Axé. O cortejo passou pelo centro de Santos revitalizando a vida em meio a todos àqueles prédios antigos. O som passava por todo os corpos e vibrava a cada batida das alfaias. A leveza do ritmo levava cada pessoa a um estado de alegria corporal, mexendo-se como os primitivos nos rituais das danças circulares. A sociedade se mantém viva enquanto o que é mais primitivo entre nós continua a nos tocar. O maracatu é assim, uma harmonia de batida que vem ser acolhida por cada sentido do nosso corpo. Esse é o momento de tirar a armadura e sentir a experiência do som, cor, dança, toque, enfim, abrir caminho para o que é mais vivo em nós.

Salve o Maracatu Quiloa.

Salve a criança que experimenta a vida.