Andre Dahmer

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Além do bem e do mal: internações interditando a vida


Todo o foco, lentes miradas para o tema tão recorrente em São Paulo, a questão envolvendo o uso do álcool e outras drogas, em que a polêmica gira entorno do crack.

A relação manicomial aparece novamente no cenário atual vestindo outra roupagem, o tecnicismo parece estar mais afinado na prática e nos discursos de alguns profissionais. Representantes da população, na figura de governadores, deputados, prefeitos, vereadores, enfim, ações políticas que cercam o cenário atual com a epidemia ao contrário. Ou seja, “soluções mágicas” lançadas pela mídia e por figuras públicas que têm sobre as pessoas, certa influência, funcionando assim: “ah, ele disse, então estou com ele”. Uma concordância estranha, pois, não há na sociedade em geral uma discussão sobre os problemas vivenciados nas diversas realidades. Parece ser um sintoma de todas as crises vividas nas relações em sociedade, que são solucionadas rapidamente por meios paliativos e por vezes violentos. A vida vai se estilhaçando numa realidade que pouco permite encontros que provocam uma alegria, aumentando nossa potência de existir.

Os sentimentos, com toda sua parte extensiva, parecem logo ser aprisionado, numa captura que rouba a possibilidade de existir.

As relações que envolvem as pessoas usuárias de alguma droga restringe somente o que (a)parece afligir as pessoas na sociedade. À cada artigo que crítica a forma como está sendo feito as ações de internação involuntária e de internações compulsória, vejo comentários do tipo desesperador que faz coro junto aos representantes e profissionais que colocam essa possibilidade como sendo a única e máxima salvadora dos problemas dos quais já conhecemos na nossa realidade. É um grito de socorro, em que neles está todos os direitos que não estão sendo garantidos, políticas públicas que não acontecem de fato e que quando há, nem é tão pública assim. As pessoas parecem terceirizar o tempo todo, como se autorizasse ao outro, o poder de decidir por elas. A vida fica amarrada quase o tempo todo na decisão de alguém, alguém com esse “poder de solução instantânea”, figuras públicas, pessoas que exercem uma influência sobre as pessoas, a voz que vai se fazer ecoar por quase todas as pessoas.

Não está sendo discutido a falta de programas e de funcionamento pleno do Sistema Único de Saúde – SUS, nem se fala nas políticas que estão sendo elaboradas, discutidas, planejadas, em saúde mental. É preocupante querer estancar uma ferida que precise de ar para poder se recuperar, em que “tirar” as pessoas desse lugar que incomoda, que expõe para nós algo bem próximo de nossa vida, que visualiza para nós que as nossas relações não andam tão bem assim, e faz tempo. A medida mais fácil para nós frente a qualquer problema e angústia, parece ser o de de(s)xistir, em que desistimos dos outros com suas singularidades e sofrimentos, desistimos de nós mesmos.

A saúde sempre mostra alguns indicadores que quase sempre são ocultados, talvez, por dizer de algo simples que nos é tão complicado, assim, a realidade vai mostrando que sofremos de “relação”, aquela que vá para além de relações ditas caridosas, dizendo muito mais daquelas que permitem um encontro, mesmo que esse seja tão difícil pra gente, que permita o conflito – nosso e/com o outro. A vida não pode estar comprimida, fadada a soluções apresentadas em “fórmulas mágicas”.

A razão técnica avançou tanto, ou se trate talvez de um eterno retorno, que antes havia os trens para levar as pessoas para os manicômios, para a câmara de gás. Hoje, as pessoas são levadas pelos trilhos invisíveis, estes que dizem o que devemos fazer, que apresentam essas soluções insolúveis. Assim, não é o trilho que leva, é a mão/braço e o dito "conhecimento" do outro, que ao invés de acolher, lança essa vida entre os muros da ciência. Esse tipo de ciência que parece querer se fechar o tempo todo em si mesma, que tem medo de sair para fora de si mesma e se encontrar com a realidade em sofrimento, mas, que tem também as suas possibilidades de alegria, enfim, sair de uma rede fria para ir ao encontro de uma rede quente, essa, com mais possíveis.



"Não sou escravo de ninguém. Ninguém, senhor do meu domínio. Sei o que devo defender e, por valor eu tenho e temo o que agora se desfaz." 
Legião Urbana