Andre Dahmer

sábado, 17 de novembro de 2012

Entre meios

A distância dança com vácuos da solidão
Pés saltitantes no chão com poças de lama
Ao som do dia ensurdecedor
Seduções de trilhas cheia de imagens
Visões obstruídas por tanto ver

Na estrada da vida
Passos amanhecidos
Nenhum pisar no chão
Dores exprimidas
Tintas em telas adentro
Vagando pelas formas 

Brincando com as palavras
Fixadas ao regaço do tato
dedadas em teclas barulhentas
Mistura os sentidos
Toca a audição 
E esboça minha inspiração 

segunda-feira, 7 de maio de 2012

A Ampulheta


O que aconteceu com o tempo
estão procurando ponteiros
marcações das horas e minutos
já não se escuta o tic-tac

A ampulheta fora virada no avesso
e ficou assim na direção do horizonte
parecendo o infinito

A areia não parou
fica se movendo pra lá e pra cá
só não marca mais o tempo
são partículas de amor




segunda-feira, 23 de abril de 2012

Tentar Ver


Ajuste o plano, se quer ver muito próximo ou mais aberto
qualquer coisa, espere o sol nascer, a luz vai ajudar
e a neblina se evaporar
pegue uma flanelinha, limpe a lente dos embaçados
lembre-se, é inverno, a energia diminui nessa temporada
os pássaros quase não cantam
a natureza se silencia
tempo de recolhida
agitar-se demais, é ver tudo voltar-se para si 
sentindo o vácuo da solidão
mas mesmo com tempo bom, 
primavera, verão
tudo tem sua limitação
há coisas que não dará pra ver
pra saber
afinal, não é o muito saber que sacia e satisfaz, 
mas o sentir e saborear eternamente as coisas

sábado, 7 de abril de 2012

Feliz Passagem!

Pensando no sentido e significado da páscoa, notam-se diferenças culturais em todos os continentes, assim como também há heranças de um país para o outro.

Páscoa significa passagem. Passar da escravidão para a libertação, da morte para a vida. 

A instituição religiosa consegue a façanha de ser contraditória em suas formas indutivas mais tradicionais. O ritual parece ser sempre a repetição e pouco faz sentido na vida de cada pessoa. A experiência tem caráter muitas vezes individual, pensando pouco ou quase nada o coletivo. O cotidiano religioso, furioso frente às questões das diferenças, se relaciona de maneira dura e inquisidora com o outro que pensa e se posiciona de maneira diferente. 

A vida, tendo como princípio a liberdade, fica fadada ao penoso caminho à percorrer contra o preconceito, discriminação e exploração do outro em troca de produção de riquezas. Vemos pessoas morrerem por acreditar em outras coisas ou até mesmo por não acreditar. As pessoas morrem por serem homossexuais, por ter feito a passagem de uma possível morte para uma vida com significação e sentido. Morrem ou são apedrejadas também por serem ateus ou terem segmentos diferentes com relação à fé. A vida fica forçada a se confinar, ser aprisionada no cenário social. O pecado, como diz Samarago, serve como um instrumento de controle do corpo, torna-se míssel em mãos do que acham pregar a "razão" e acabam por explodir a vida que (a)parece expressando, nascendo na cena social. Vida que expressa alegria na sua relação de afeto com as pessoas. 

As cenas em cada plano da vida social desperta diferentes sentidos, o amor que compõe e que também decompõe na relação de afeto com o outro fica registrado num cenário em transformação.

Vida ou morte? Será de mudança ou de repetição? A páscoa marca a passagem, o ritual, assim, veremos quais os rumos e ações das pessoas no cenário social. Viva os diferentes sentidos.



domingo, 25 de março de 2012

A vida e os avessos


Estou sentindo o dilema da música Zé e José do poeta/músico Zé Geraldo, a cada passo tendo que viver e acolher a superficialidade, a autenticidade temperada. Quero encontrar com um velho doido, chapado (bêbado), um personagem decidido, escolhendo seu caminho. Ele sabe contar, cantar as várias histórias, “história sobre a cor dos sete mares e de tesouros escondido no peito do próprio homem”.

A vida não pode ser comprimida pela necessidade voraz da sociedade, da civilização aprisionada pelo autêntico detalhe, este recebido e instituído. Ah, simplicidade escondida e que me colocam complicada, “é simples ser complicado”, mas quero eu encontrá-la em meio a essa devastação contemporânea daquilo que é mais primitivo, a roda de viola, ser criança e rir no circo com o palhaço.

Não quero ser um José de sorriso plástico, enganando a si e a todos com seu modo “autêntico” de ser. “Cabeças treinadas pra competir, semente de toda ambição”, “José progrediu, calculista e frio”.

Esse lance entre autêntico e falso provoca certa confusão, estamos acostumados a entender o autêntico como algo mais interessante. Mas para o pintor[1] que pintava a Sr. Monarch não era bem assim. O pintor via a “coisa autêntica” como o personagem puro. O falso para o pintor era visto como algo parecido com uma gravura, já o personagem do autêntico, uma fotografia. O talento da Srta. Churm em imitar e fazer os personagens “falsos” interessava mais ao pintor. Sua capacidade de variação produzia a invenção dos personagens e conseqüentemente as pinturas sairiam diferentes a cada obra. Já a Sr. Monarch posava para o pintor há dois anos e sempre impunha a mesma figura, endurecida pela autenticidade da burguesia, classe da qual se relacionava.

Sem colocar a questão aqui de luta de classes e coisas do tipo, chamo a atenção para essa relação com o falso, essa capacidade inventiva que me tira dessa ortopedia que tenta fixar a autenticidade, permitindo que a variação ganhe contornos em meio a toda essa concretude instalada no cenário social.
A vida no interior toca viola, faz doces de amendoim, prepara o café com bolo de fubá e convida você à sentar, contar os causos, a terra espera no outro dia para ser cuidada e produzir, então, não há tanta pressa. Quantos personagens, possibilidades de variar e inventar nesse cenário da vida.

Um convite para o falso, eis que me convida a vida para esse encontro. Zé, essa alegria quente que canta as histórias das estradas.


[1] Henry James A coisa autêntica.

terça-feira, 20 de março de 2012

Bu(r)la da medicalização: improvisando a infância

Estou inquieto, como uma criança que não quer parar. O mundo pra mim está em ritmo acelerado, dando muitas voltas, acho que até mais do que de costume. Sinto tantas coisas ao mesmo tempo, meus sentidos parecem ficar num frenesi diante desses estímulos externos. A vida quer viver. Aí já vem a pergunta "como?". Começa a confusão. A criança aqui se mobiliza, produz, não quer parar, há tantas culturas para descobrir. Papai e mamãe querem que me condicione á uma cultura, fico sem entender, me pergunto: se no mundo há tantas possibilidades, tantas coisas a experimentar e imaginar, eu tenho que me adequar? É muito confuso pra mim. Fico triste e ao mesmo tempo quero ver os que estão próximos de mim ficarem felizes tentando me adaptar ao modelo de vida inteligente e controlado. É, o mundo parece ser mesmo controlado como eu controlo meu carrinho. Controle na mão e tudo certo, vai para onde eu quero. Parece ser assim as coisas. Engraçado, me lembrei de uma pergunta de um amigo: por que fazem carros para correr a 280 km/h se a velocidade máxima permitida é de 100/110/120 km/h? Sabe, isso realmente é estranho. Hoje fui ao médico, dizem que estou muito agitado e não consigo aprender. Realmente é complicado se ater aquela tarefa isolada que a professora passa, fico pensando tanta coisa, quero escrever histórias que sempre estou a inventar, mas, preciso fazer e aprender aquela regra de gramática. Será que tenho algum problema? Acho que sim, mas, meus pais e o médico sabem o que estão fazendo. Minha mãe diz que os médicos estudam bastante, devem mesmo saber das coisas.
Sei que pode ser estranho, mas me veio mais uma pergunta: por que eu tenho que dar atenção para uma cultura e ela não dá atenção pra mim? Eu tenho que parar, desacelerar. Por que tudo a minha volta não que parar? Vejo tantas coisas: TV, outdoors, visito vários sites. Há tantas coisas para decifrar, sentir e expressar sobre isso tudo. Ainda vou revelar tudo que imagino aqui. Que sono, já estou no décimo dia de tratamento tomando medicação, dizem que é um diagnóstico de um tal de T.. alguma coisa. 

Espera, vou contar para vocês, parei de fazer uso desses medicamentos. Sim, quero primeiro pensar e conseguir responder todas essas perguntas que me deixa inquieto. Quando conseguir eu começo o tratamento. Não conta pra ninguém, tá bom?! Esse é o nosso segredo. Ah, a medicação eu coloco no cofrinho, quem sabe renda alguma coisa.


terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O Mar, Maracatu e o brincar: a gente sente


A gente aprende, em cada cena num cenário dessa terra, desse mar.
Vou tentar contar uma experiência a partir de dois momentos, não exatamente separados.
Primeiro: uma criança em desenvolvimento, curtindo seus primeiros contatos, seus primeiros afetos.
Segundo: o arrastão de maracatu vibrando em meu corpo, tocando cada sentido da estrutura humana.

Dar os primeiros passos. Ser acompanhado diante de tanta peleja, em meio a estados críticos que assola uma cidade, um estado, um país. Digo isso porque enquanto a criança cava um buraco ou faz bolinhos com areia, algum esperto ao contrário joga sua garrafa de vodka no mar. E depois somos responsáveis por aquilo que cativamos. Mas nada de pesar aqui nesse conto, nada de correntes críticas diante de uma elucidação de algo aqui narrado. (quero deixar claro que não sou contra correntes críticas, são necessárias para você desalienar, mas depois você tem que fazer uma dança circular, sugiro um maracatu, para que possa desatar dos enroscos das teorias, desatar os nós). Os conceitos são válidos pelo tempo que eles duram, nada de ressuscitar bobagens, larga a mão de ficar patinando na esteira da vida, vai dar uma pedalada ou caminhada.

Voltando ao assunto, melhor é a criança me dar a mão porque esse adulto fica sempre balançando. É tão bonito ver um investimento de bons encontros numa relação familiar, digo familiar me referindo toda relação entre as pessoas para compor e não aquela relação que decompõe. A criança experimenta os espaços, toca os objetos, cria sentido para si e acolhe muito bem os pais numa relação de afeto. A maneira como os pais se relacionam com a criança parece jogá-la num mundo de significados, abrindo possibilidades e oferecendo banquetes que vão engordar a imaginação. A leveza proporcionada para a atuação da criança numa cena da vida fará todo sentido para ela estabelecer relações que vibrará no outro de maneira inimaginável. Lembrei de uma cena, em que eu parecia um bobo medroso, quando a criança foi descer sozinha uma escadaria da pinacoteca Benedito Calixto, aquele tapete vermelho sustentava os pequenos pés que há pouco tempo começara a dar os primeiros passos. Me senti um covarde por ter certa vontade de intervir numa ação de experimentação que era dela, da criança. Foi um medo numa relação de alteridade, uma insegurança frente à ação autônoma do outro. A mãe realmente tem seu sentido fantástico ao permitir a criança descer com seus próprios passos, segurando o corrimão ornamentado, em que podia se segurar nas suas pontas finais do desenho. A mãe ocupava – ela mesma disse – um lugar que olhava por diferentes ângulos, um lugar desconhecido, enquanto mirava pela lente de sua câmera fotográfica. Eu também, nessa cena com a mãe e a criança, estava a ocupar um lugar desconhecido, experimentando uma curiosa sensação. Foi interessante, me fez refletir como a vida às vezes realmente escapa. Foram bons encontros.
Desde pequena a criança começa a entender o valor do coletivo, dar “tchauzinho” acenando para outra criança a fim de fazer nova amizade, de brincar juntos. Essa cena ocorreu no SESC num parque montado para as crianças brincarem de pular pneus, rodar um aro de bicicleta por um pedal para ouvir música vindo de dentro de um guarda-chuva colorido. Havia também um pequeno lago e ao redor muitas pedras para serem arremessadas na água, digo, para serem pisadas, pois, não era permitido jogar pedra no “laguinho”, que besteira. É tão bacana lançar pedras no lago. Enfim, esse lago era autorizado brincar de navegação com barquinhos de madeira puxados por um barbante.

Outro momento que me levou á uma sensação de convulsão nos sentidos do meu corpo foi o maracatu do grupo Quiloa. Aquele ritmo testava todo meu organismo, senti que estava vivo. O tom da anatomia é dado a cada som de instrumentos em composição, em cada compasso da baqueta enche de ar os pulmões sustentando o ritmo do coração. Axé. O cortejo passou pelo centro de Santos revitalizando a vida em meio a todos àqueles prédios antigos. O som passava por todo os corpos e vibrava a cada batida das alfaias. A leveza do ritmo levava cada pessoa a um estado de alegria corporal, mexendo-se como os primitivos nos rituais das danças circulares. A sociedade se mantém viva enquanto o que é mais primitivo entre nós continua a nos tocar. O maracatu é assim, uma harmonia de batida que vem ser acolhida por cada sentido do nosso corpo. Esse é o momento de tirar a armadura e sentir a experiência do som, cor, dança, toque, enfim, abrir caminho para o que é mais vivo em nós.

Salve o Maracatu Quiloa.

Salve a criança que experimenta a vida.